Se todos os dias pudéssemos dedicar um tempo da nossa rotina para visitar a natureza, todos os dias lembraríamos que estamos vivos. Estas palavras vinham ondulando na minha cabeça, no ritmo cadente da caminhada do nativo Cleisson, morador da comunidade ribeirinha Jamaraqua e guia da Floresta Amazônica. Poderia fazer silêncio no universo, não fosse pela orquestra de animais sorrateiros espreitando as marginais da trilha – uma infinidade de pássaros, insetos e seres rastejantes observando a passagem destes visitantes curiosos lá de Minas Gerais – Fernando Biagioni e eu.
Antes de deixarmos a vila e entrarmos nas profundezas da mata, cruzamos uma sequência de cactos plantados diante das casas do povoado. Cleisson segura o passo, “Estes são os Jamacaru, que batizaram nossa comunidade. Reza a lenda que os índios desta terra irão voltar. E, quando voltarem, as casas que não tiverem os cactos, serão atacadas”.
Tão logo deixamos a comunidade, mergulhamos na densidade da maior floresta tropical do mundo, tida no imaginário popular (contrariando a ciência) como pulmão do planeta. Cleisson sugere mais uma parada, desta vez para esfregarmos nossas mãos e braços nas formigas Tapiba, usadas como repelente natural. Ao lado delas está um tronco de Seringueira, todo riscado. A árvore é usada como fonte de borracha para a produção de artesanato no povoado.
Nossa recepção na Floresta Amazônica são três horas de caminhada, depois de subirmos o Rio Tapajós por cerca de 50km. Pergunto ao Cleisson se teríamos outra saída, não fosse pelo rio, e ele responde: “São três dias de caminhada até a estrada mais próxima”. E, chegando nesta estrada, não se encontraria muita coisa senão um clarão de terra cortando a mata. Com sorte, algum caminhão poderia estar passando. Ou não.
Mas, em se tratando de natureza, poderíamos sobreviver. “Há recursos por toda parte”, indica o nativo. Cleisson para para analisar um galho – e o divide em fatias do tamanho de cigarros. Depois de cortados, raspa as casas umedecidas e nos entrega: “Tem isqueiro aí?”. Acendemos o próprio galho e logo estamos fumando o Cipó Ambé, também conhecido como “Cigarro do Índio”. Para acompanhar, provamos da Seiva de Jatobá, usada para tratar dores musculares. Uma iniciação simbólica neste reino místico e encantado.
Ao cair da tarde, retornamos ao barco e à nossa base em Alter do Chão. Depois de anos viajando, sonhando e imaginando como seria tatear a Floresta Amazônica, aqui estamos. Não como exploradores, não como desbravadores. Viemos para trocar energia com os vértices da Mãe Terra, mergulhando nossos pés em rios e lamas. Deslizando nossas mãos por galhos e plantas. Sem tirar ou colocar nada, senão as melhores manifestações de respeito com a natureza abundantemente autossuficiente.
Amanhecemos nos próximos quatro dias a correr – que é correndo que nos entendemos. Desenhamos algumas rotas e possibilidades pelo Strava – e mergulhamos no desconhecido de nós mesmos. A temperatura bate os 35 graus – e a sensação térmica, com tamanha umidade, ultrapassa os 40. Dez quilômetros se tornam 25. A cada dois quilômetros, um banho no Mar de água doce do Rio Tapajós, translúcido, convidativo a acreditar que estamos de fato no paraíso.
Penso que esta viagem é uma celebração ao momento que me fiz atleta, há três anos, e passei a subir montanhas cotidianamente. Estar em contato diário com a natureza me faz sentir que estou aqui, e agora, provando da existência das minhas emoções. Meu treino é estar lá fora a maior parte do tempo, em contato íntimo com a vegetação e os animais, vendo, ouvindo e angariando ar para respirar nos tempos sombrios que estamos vivendo.
Amazônia é Cura. Diante tamanha imensidão, não há outro caminho senão olhar para nós mesmos e questionar nosso relacionamento com o planeta. Estão aqui todos os recursos e instrumentos para uma vida de plenitudes simples e verdadeiras. Se todos os dias pudéssemos dedicar um tempo da nossa rotina para encarar a natureza, todos os dias lembraríamos que estamos vivos.